domingo, 12 de febrero de 2017

177. Escritores brasileros II

Editora invitada: Ana Sofía Marqués Viana Ferreira

Traducción: Ana Sofía Marqués Viana Ferreira


Tema 2: Escenarios de violencia



Carlos Drummond de Andrade (Itabira, 1902-1987)

O assalto

   A casa luxuosa no Leblon é guardada por um molosso de feia catadura, que dorme de olhos abertos, ou talvez nem durma, de tão vigilante. Por isso, a família vive tranquila, e nunca se teve notícia de assalto a residência tão bem protegida.
   Até a semana passada. Na noite de quinta-feira, um homem conseguiu abrir o pesado portão de ferro e penetrar no jardim. Ia fazer o mesmo com a porta da casa, quando o cachorro, que muito de astúcia o deixara chegar até lá, para acender-lhe o clarão de esperança e depois arrancar-lhe toda ilusão, avançou contra ele, abocanhando-lhe a perna esquerda. O ladrão quis sacar do revólver, mas não teve tempo para isto. Caindo ao chão, sob as patas do inimigo, suplicou-lhe com os olhos que o deixasse viver, e com a boca prometeu que nunca mais tentaria assaltar aquela casa. Falou em voz baixa, para não despertar os moradores, temendo que se agravasse a situação.
   O animal pareceu compreender a súplica do ladrão, e deixou-o sair em estado deplorável. No jardim ficou um pedaço de calça. No dia seguinte, a empregada não entendeu bem por que uma voz, pelo telefone, disse que era da Saúde Pública e indagou se o cão era vacinado. Nesse momento o cão estava junto da doméstica, e abanou o rabo, afirmativamente.

El asalto

   La casa suntuosa en Leblon está guardada por un mastín de terrible semblante, que duerme con los ojos abiertos; o quizás no duerma, de tan vigilante que es. Por eso, la familia vive tranquila, y nunca hubo noticia de asalto a una residencia tan bien protegida.
   Hasta la semana pasada. La noche del jueves, un hombre logró abrir el pesado portal de hierro y penetrar en el jardín. Iba a hacer lo mismo con la puerta de la casa, cuando el perro, que astutamente lo había dejado acercarse (para arrancarle toda la ilusión conquistada), se lanza hacia él y lo acomete en la pierna izquierda. El ladrón quiso sacar el revólver, pero no hubo ni tiempo para ello. Cayendo al suelo, bajo las patas del enemigo, le suplicó con los ojos que lo dejase vivir y con la boca prometió que jamás intentaría asaltar aquella casa. Habló por lo bajo para no despertar a los residentes, temiendo que la situación pudiera agravarse.
   El animal pareció entender la súplica del ladrón y lo dejó salir en un estado lamentable. En el jardín quedó un trozo de pantalón. Al día siguiente, la criada no comprendió por qué razón una voz, al teléfono, diciendo que era de Salud Pública, preguntaba si el perro estaba vacunado. En ese momento, el perro, que estaba al lado de la doméstica, agitó la cola, afirmativamente.
Contos Plausíveis, José Olympio Editora, Rio de Janeiro (1981): 107.

Carlos Drummond de Andrade


João Anzanello Carrascoza (Cravinhos, 1962)



   Leu o salmo 27, pegou o revólver e foi assaltar o banco.

Fe

   Leyó el salmo 27, cogió el revólver y se fue a robar el banco.
Linha Única. SESI-SP editora, São Paulo (2016): s/n.



Carlos Seabra (Lisboa, 1955)

   O gato escondeu-se, o marido conseguiu escapar e os filhos não sofreram muito. Desta vez, sua TPM nem tinha sido das piores.

   El gato se ocultó, el marido logró escaparse y sus hijos no sufrieron demasiado. Esta vez, el síndrome pre-menstrual no había sido de los peores.
Microcontos cruéis, surreais, eróticos & outros. Oficina Digital, São Paulo (2016): 45.



W. Del Guiducci (Ubá, 1974)

   #26

   Trabalho de sol a sol. Tempo para diversão desconheço. Para mim, basta o que dá para sobreviver. Para os meus, porém, sempre o melhor, mesmo não sendo muito. Pecado só tenho um: o orgulho de ver a alegria das crianças toda vez que volto para casa com um cadáver em bom estado.

   #26

   Trabajo de sol a sol. Desconozco el tiempo de diversión. A mí me basta con lo necesario para sobrevivir. A los míos les doy siempre lo mejor, aun si no es mucho. Sólo poseo un pecado: el orgullo de ver el regocijo de los niños cuando regreso a casa con un cadáver en buen estado.
Curto & Osso. Funalfa, Juiz de Fora (2016): 26.



Fernanda Pompeu (Rio de Janeiro, 1955)

Paradoxo

   Uma rua arborizada na primavera, mas não eram as flores, nem a cantoria aguda das cigarras que prendiam a atenção do adolescente magricela.
   Ele caminhava contando o número de carros estacionados que ostentavam, em seus vidros, o slogan: Brasil, ame-o ou deixe-o.
   Por mais que se esforçasse não conseguia pescar a lógica da frase.
   Afinal seu pai, que vivia espancando sua mãe, sempre a ameaçava:
    - Te odeio e nunca te vou deixar!


Paradoja

   Era una calle arboleada en primavera. Pero no eran las flores ni el canto agudo de las cigarras lo que le embrujaba al flaco mozo.
   Él caminaba contando el número de coches aparcados que ostentaban, en sus cristales, el eslogan: Brasil, ámalo o déjalo.
   Por más que se esforzase no lograba entender la lógica de la frase.
   A fin de cuentas su padre, que vivía golpeando a su madre, siempre la amenazaba:
   —¡Te odio y nunca voy a dejarte!
64, Editora Brasiliense, São Paulo (2006): 22.



Fernando Fiorese (Pirapetinga, 1963)

   Ocorrência

   Relevei o mais que pude, doutor. E olha que eu já fui buscar o traste na zona, briguei com uma vizinha de anos por causa dele – e até dei minha cama pra outra. Agora, eu só queria ver se a minha mãe podia olhar as crianças e cuidar do enterro dele.

   Suceso

   Aguanté lo máximo que pude, doctor. Mire que he ido a buscar al canalla al sitio, peleé con una antigua vecina por su culpa – e incluso le ofrecí mi cama a otra. Quisiera solamente saber si mi madre podría cuidar de los niños y ocuparse del entierro.
“Breviário. narrativas menores”, corpoportátil.blogspot.com (2013): 39.



Cinthia Kriemler (Brasília, 1957)

   Vestida para matar

   No closet, separou seus números prediletos. Armani nº36, Louboutin nº38, Chanel nº5, Taurus calibre 22.

Vestida para matar

   Separó sus números preferidos en el armario. Armani nº 36, Louboutin nº38, Chanel nº5, Taurus calibre 22.
Contos mínimos S/A. Lohan Lage Pignone (org.). Penalux, Guaratinguetá (2013): 25.